"...não devemos enxergar comédia onde não há, por nossa mera conveniência egoística e covarde. E muito menos devemos agir jocosamente em situações onde não se aplica o humor."
Capítulo que nos apresenta a ilustração do broche do Comediante com o sangue do mesmo. |
"O Comediante" é o alter-ego de Edward Blake, o personagem de "Watchmen" que é o tema do post de hoje. O famoso broche com sangue do "smile" que acabou se tornando um símbolo da saga, pertencia à ele.
O Comediante e seu inseparável charuto. |
Ele é um vigilante mascarado, transformado em um paramilitar (ou mercenário), e pai de Laurie, a "Espectral". Bom, na verdade ERA. Pois a trama de "Watchmen" tem início com o assassinato de Edward Blake em seu apartamento. Com o desenvolvimento da trama, através de "flashbacks" dos personagens, vamos conhecendo aos poucos quem realmente era o Comediante. Bom, ele era um grandisíssimo filho da puta.
Edward Blake sendo assassinado em seu apartamento. |
Niilista por excelência, não respeita a ética, muito menos a moral. Ou seja, cagava e andava para a vida humana. Pelo que conhecemos de seus atos sádicos e de sua história violenta, podemos muito bem concluir que Edward Blake era apenas um psicopata travestido de super-herói.
Grandisíssimo filho da puta. |
"Vidas violentas terminando de maneiras violentas".
Funeral de Edward Blake. |
Uma das definições dadas para o Comediante é de que ele era um homem que reconhecia o horror presente nas relações humanas, e por isso se refugiava no humor. De que sua ironia violenta era, em vários momentos, um reflexo amargo da percepção desse horror. Ele ria para não chorar. Quer dizer, o Comediante ia além. Ele matava e estuprava para não chorar. Se "a sociedade" insistia em causar todo esse horror humano, a última risada seria dele, do Comediante. A piada final era sempre dele. Se a sociedade fazia, ele então fazia pior. E ria. Se você agisse como um merda, ele iria fazer você pagar por isso. Se você fosse violento, ele seria mais, independente do motivo. Se você agisse e se vestisse como uma puta, ele iria te estuprar, pois ninguém mandou você se insinuar pra ele. Se você rasgasse a cara dele, ele meteria uma bala no meio da sua, mesmo que você tivesse grávida. Como eu disse, a piada final era sempre dele. Quem ria por último, era sempre ele. Até ter sido violentamente assassinado.
"Rorschach" deixa flores no túmulo de Edward Blake. |
Edward Blake havia se tornado um vigilante mascarado desde a época dos "Minutemen", em 1939, agindo especificamente nas docas de Nova Iorque. Hollis Mason, o antigo "Coruja", narra em seu livro "Por baixo do Capuz" que Edward Blake teria agredido e tentado estuprar Sally Jupiter, a primeira "Espectral", e uma das reuniões dos "Minutemen". E que só não teria obtido êxito no estupro pois foi surpreendido e agredido por "Justiça Encapuzada", outro mascarado da época. Esse ato deplorável fez com que ele fosse expulso dos "Minutemen".
"Justiça Encapuzada" salva Sally segundos antes de ser estuprada pelo Comediante. |
Edward então se alistou, e acabou lutando na Guerra do Pacífico, onde acabou se tornando um herói de guerra. Em 1966, na 1ª Reunião dos Combatentes do Crime, de alguma forma foi " sondado e captado", e começou a trabalhar para o Governo, lutando inclusive na Guerra do Vietnã, ajudando a conduzir os americanos à vitória juntamente com o "Dr. Manhattan".
Comediante tocando o horror como mercenário na Guerra do Vietnã. |
Inclusive no Vietnã temos um "flashback" no qual o próprio assassina uma moça vietnamita grávida dele próprio. Ele assassina ela, pois ela havia rasgado seu rosto com uma garrafa quebrada. É aí que ele ganha sua cicatriz no rosto, em 1971.
Eddie Blake assassina uma grávida em um bar de Saigon. |
Na trama, dá-se a entender que o próprio teria, inclusive, assassinado o Presidente Kennedy.
"Apenas não pergunte onde eu estava quando ouvi sobre JFK. HA HA HA HA HA!" |
Em outro "flashback", vemos o Comediante tentando impedir um protesto da população, durante a greve da polícia, pouco antes da aprovação da "Lei Keene". Na greve, o próprio agride vários populares, homens e mulheres, atirando com sua escopeta e seu lança-granadas. Bom, pelo menos ele terminou com o protesto. Eis que ele diz para o "Coruja": - "Somos a única proteção da sociedade agora." O Coruja então pergunta à ele: - "E estamos protegendo eles de quem?". Comediante então conclui: "Protegendo eles deles mesmos." De alguma forma, o Comediante esperava que a sociedade lhe devia NO MÍNIMO gratidão, admiração e respeito, por todos "serviços prestados" à sociedade. Serviços esses, que mascaravam literalmente seu sadismo e sua crueldade interior.
O Comediante indo proteger a sociedade "dela mesma". |
Mas no "flashback" que pra mim é o que melhor ilustra a vida desse infeliz, vemos o Comediante invadir, sem sua máscara, a casa de um antigo vilão e inimigo pessoal, que à época chamava-se "Moloch". Ele então, sem máscara e entre lágrimas e catarro, desabafa com ele, dizendo que ele, que durante toda sua vida foi seu inimigo, era a coisa mais próxima de um amigo que ele tinha na vida. E o Comediante sai do quarto dele, ainda chorando, pedindo perdão à sua mãe. Aquele havia sido seu desabafo mais sincero. E como não tinha amigos, foi obrigado a desabafar com um antigo inimigo. Triste. Aquele sim, era o verdadeiro Edward Blake. Uma pessoa amargurada, e agora arrependida de todas as atrocidades que até então havia cometido em sua vida.
"Moloch" conta à "Rorschach" que Eddie Blake esteve no seu quarto. |
"Rorschach", durante sua narrativa em dado momento da trama, faz essa citação, que ilustra muito bem o Comediante:
"Um homem vai ao médico e fala que está deprimido. Diz que a vida parece dura e cruel. Ele se sente só, num mundo ameaçador onde o futuro é vago e incerto. O doutor diz..."O tratamento é simples. O grande palhaço Pagliacci está na cidade esta noite. Vá vê-lo. Levantará seu astral. O homem começa a chorar e fala: "Mas doutor...eu sou o palhaço Pagliacci".
O Comediante, indo chorar na casa de Moloch, foi exatamente o palhaço Pagliacci. E isso nos faz ver, que até os comediantes choram. Nesse caso, apenas um psicopata e pseudo-comediante.
O Comediante pagando de gatinho no Vietnã. |
Afinal, uma vida não é só feita de sorrisos e gargalhadas. A vida também é feita de lágrimas. E menos sentindo ainda faz querer sorrir ou gargalhar mediante situações que são dignas de choro ou piedade. O Comediante realmente compreendia o horror tão presente em algumas relações humanas. Mas simplesmente não se importava. Na verdade propagava o tal horror. E através de seu pseudo-humor ele se refugiava desse horror todo. E como era esse "pseudo-humor"? Era literalmente rir para não chorar. Mas no fundo, se algo te faz querer chorar, qual o problema em ser verdadeiro com você mesmo e simplesmente chorar? Para que mascarar um sorriso em meio à engasgos de choro?
Capítulo que narra o funeral de Eddie Blake. |
O Comediante simplesmente ajudava a espalhar todo esse horror infelizmente ainda tão humano. E vou explicar à vocês por que digo "horror humano". O horror é necessariamente uma criação humana. Pois se um animal mata o outro para comer sua carcaça, ou para demarcar território, isso não há de ser taxado como "horroroso", pois é simplesmente a Natureza manifestando suas Leis perfeitas através de animais irracionais. A partir do momento em que um ser é racional, e mesmo assim ainda age de forma instintiva, negativa e violenta, indo em total desacordo com sua racionalidade, isso sim é algo horroroso ou horrível.
Malandrito´s. |
Logo, não devemos enxergar comédia onde não há, por nossa mera conveniência egoística e covarde. E muito menos devemos agir jocosamente em situações onde não se aplica o humor. E o "horror humano" com certeza é uma das situações onde o humor inexiste. Que não fiquemos estáticos quanto à isso, claro. Que ajamos intelectualmente contra isso, de acordo com a lei moral. Milênios e milênios já nos provaram que o aço da espada e projétil deflagrado através da ação da pólvora pode conquistar corpos e territórios, mas não consquista e muito menos modifica espíritos.
Comediante versão tiozão. Afinal: Quem vigiava o Comediante? |
Se queremos mudar, de vez, o horror ainda infelizmente presente nas relações humanas, devemos, primeiramente e basicamente, PARAR de agirmos com horror também. Pois uma ação horrorosa necessariamente terá uma reação horrorosa, e assim, num ciclo sem fim.
Cova aberta de Eddie Blake. Enterro na chuva. |
Cabe à nós dar o primeiro passo. Infelizmente, o passos que o Comediante deu durante toda sua trajetória aqui no planeta, foi em direção à cova na qual ele foi enterrado. Aprendamos com o "anti-exemplo" de Edward Blake, e que caminhemos para a nossa cova com muito menos remorsos, sangue, pólvora e catarro do que ele.
Pois vidas violentas, cedo ou tarde, terminam de maneiras violentas. E se não for nessa vida, vai ser na outra.
Sequência da morte de Edward Blake em seu apartamento. |
Rufem os tambores. Fechem as cortinas. Aplausos. Boa noite.
Para mim, o Alan Moore colocou a morte do Comediante logo no início da trama para fazer a gente pensar - "isso não é só entretenimento, prestem atenção à seriedade da mensagem!"
ResponderExcluirE quanto ao "rir pra não chorar", infelizmente vivemos num mundo onde as pessoas preferem isso. Preferem engolir catarro, remorso, sangue e sapo a tentar modificar essa maneira irracional pela qual vivemos, ou sobrevivemos, na verdade.
A vida não é um show, muito menos um "stand-up comedy", muito embora isso esteja em voga. Se todos esses humoristinhas que só reclamam no CQC, pânico e afins tivessem culhões para serem humanos, e não comediantes, e mostrar à sociedade uma maneira de mudar, isto seria muito mais útil do que as bundas e os top-fives que somente servem para entreter.
Aplausos. Eu esperava um texto um pouco mais sarcástico da sua parte, mas ... Acho que finalmente você abraçou a fofurice do coruja né? =)
você não entendeu nada sobre o Comediante hahaha
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