Só sei que nada sei, mas ainda insisto em digitar...

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Só sei que é rir pra não chorar. - O Comediante x A Sociedade.

"...não devemos enxergar comédia onde não há, por nossa mera conveniência egoística e covarde. E muito menos devemos agir jocosamente em situações onde não se aplica o humor."

Capítulo que nos apresenta a ilustração
do broche do Comediante com o
sangue do mesmo.


"O Comediante" é o alter-ego de Edward Blake, o personagem de "Watchmen" que é o tema do post de hoje. O famoso broche com sangue do "smile" que acabou se tornando um símbolo da saga, pertencia à ele.

O Comediante e seu
inseparável charuto.


Ele é um vigilante mascarado, transformado em um paramilitar (ou mercenário), e pai de Laurie, a "Espectral". Bom, na verdade ERA. Pois a trama de "Watchmen" tem início com o assassinato de Edward Blake em seu apartamento. Com o desenvolvimento da trama, através de "flashbacks" dos personagens, vamos conhecendo aos poucos quem realmente era o Comediante. Bom, ele era um grandisíssimo filho da puta.

Edward Blake sendo assassinado em seu apartamento.


Niilista por excelência, não respeita a ética, muito menos a moral. Ou seja, cagava e andava para a vida humana. Pelo que conhecemos de seus atos sádicos e de sua história violenta, podemos muito bem concluir que Edward Blake era apenas um psicopata travestido de super-herói.

Grandisíssimo filho da puta.


"Vidas violentas terminando de maneiras violentas".

Funeral de Edward Blake.


Uma das definições dadas para o Comediante é de que ele era um homem que reconhecia o horror presente nas relações humanas, e por isso se refugiava no humor. De que sua ironia violenta era, em vários momentos, um reflexo amargo da percepção desse horror. Ele ria para não chorar. Quer dizer, o Comediante ia além. Ele matava e estuprava para não chorar. Se "a sociedade" insistia em causar todo esse horror humano, a última risada seria dele, do Comediante. A piada final era sempre dele. Se a sociedade fazia, ele então fazia pior. E ria. Se você agisse como um merda, ele iria fazer você pagar por isso. Se você fosse violento, ele seria mais, independente do motivo. Se você agisse e se vestisse como uma puta, ele iria te estuprar, pois ninguém mandou você se insinuar pra ele. Se você rasgasse a cara dele, ele meteria uma bala no meio da sua, mesmo que você tivesse grávida. Como eu disse, a piada final era sempre dele. Quem ria por último, era sempre ele. Até ter sido violentamente assassinado.

"Rorschach" deixa flores no túmulo
de Edward Blake.


Edward Blake havia se tornado um vigilante mascarado desde a época dos "Minutemen", em 1939, agindo especificamente nas docas de Nova Iorque. Hollis Mason, o antigo "Coruja", narra em seu livro "Por baixo do Capuz" que Edward Blake teria agredido e tentado estuprar Sally Jupiter, a primeira "Espectral", e uma das reuniões dos "Minutemen". E que só não teria obtido êxito no estupro pois foi surpreendido e agredido por "Justiça Encapuzada", outro mascarado da época. Esse ato deplorável fez com que ele fosse expulso dos "Minutemen".

"Justiça Encapuzada" salva Sally segundos antes de ser
estuprada pelo Comediante.


Edward então se alistou, e acabou lutando na Guerra do Pacífico, onde acabou se tornando um  herói de guerra. Em 1966, na 1ª Reunião dos Combatentes do Crime, de alguma forma foi " sondado e captado", e começou a trabalhar para o Governo, lutando inclusive na Guerra do Vietnã, ajudando a conduzir os americanos à vitória juntamente com o "Dr. Manhattan".


Comediante tocando o horror como mercenário
na Guerra do Vietnã.


Inclusive no Vietnã temos um "flashback" no qual o próprio assassina uma moça vietnamita grávida dele próprio. Ele assassina ela, pois ela havia rasgado seu rosto com uma garrafa quebrada. É aí que ele ganha sua cicatriz no rosto, em 1971.

Eddie Blake assassina uma grávida em um bar de Saigon.


Na trama, dá-se a entender que o próprio teria, inclusive, assassinado o Presidente Kennedy.

"Apenas não pergunte onde eu estava quando ouvi
sobre JFK. HA HA HA HA HA!"


Em outro "flashback", vemos o Comediante tentando impedir um protesto da população, durante a greve da polícia, pouco antes da aprovação da "Lei Keene". Na greve, o próprio agride vários populares, homens e mulheres, atirando com sua escopeta e seu lança-granadas. Bom, pelo menos ele terminou com o protesto. Eis que ele diz para o "Coruja": - "Somos a única proteção da sociedade agora." O Coruja então pergunta à ele: - "E estamos protegendo eles de quem?". Comediante então conclui: "Protegendo eles deles mesmos." De alguma forma, o Comediante esperava que a sociedade lhe devia NO MÍNIMO gratidão, admiração e respeito, por todos "serviços prestados" à sociedade. Serviços esses, que mascaravam literalmente seu sadismo e sua crueldade interior.

O Comediante indo proteger a sociedade "dela mesma".


Mas no "flashback" que pra mim é o que melhor ilustra a vida desse infeliz, vemos o Comediante invadir, sem sua máscara, a casa de um antigo vilão e inimigo pessoal, que à época chamava-se "Moloch". Ele então, sem máscara e entre lágrimas e catarro, desabafa com ele, dizendo que ele, que durante toda sua vida foi seu inimigo, era a coisa mais próxima de um amigo que ele tinha na vida. E o Comediante sai do quarto dele, ainda chorando, pedindo perdão à sua mãe. Aquele havia sido seu desabafo mais sincero. E como não tinha amigos, foi obrigado a desabafar com um antigo inimigo. Triste. Aquele sim, era o verdadeiro Edward Blake. Uma pessoa amargurada, e agora arrependida de todas as atrocidades que até então havia cometido em sua vida.

"Moloch" conta à "Rorschach" que
Eddie Blake esteve no seu quarto.


"Rorschach", durante sua narrativa em dado momento da trama, faz essa citação, que ilustra muito bem o Comediante:

"Um homem vai ao médico e fala que está deprimido. Diz que a vida parece dura e cruel. Ele se sente só, num mundo ameaçador onde o futuro é vago e incerto. O doutor diz..."O tratamento é simples. O grande palhaço Pagliacci está na cidade esta noite. Vá vê-lo. Levantará seu astral. O homem começa a chorar e fala: "Mas doutor...eu sou o palhaço Pagliacci".

O Comediante, indo chorar na casa de Moloch, foi exatamente o palhaço Pagliacci. E isso nos faz ver, que até os comediantes choram. Nesse caso, apenas um psicopata e pseudo-comediante.

O Comediante pagando de gatinho no Vietnã.


Afinal, uma vida não é só feita de sorrisos e gargalhadas. A vida também é feita de lágrimas. E menos sentindo ainda faz querer sorrir ou gargalhar mediante situações que são dignas de choro ou piedade. O Comediante realmente compreendia o horror tão presente em algumas relações humanas. Mas simplesmente não se importava. Na verdade propagava o tal horror. E através de seu pseudo-humor ele se refugiava desse horror todo. E como era esse "pseudo-humor"? Era literalmente rir para não chorar. Mas no fundo, se algo te faz querer chorar, qual o problema em ser verdadeiro com você mesmo e simplesmente chorar? Para que mascarar um sorriso em meio à engasgos de choro?

Capítulo que narra o funeral de
Eddie Blake.


O Comediante simplesmente ajudava a espalhar todo esse horror infelizmente ainda tão humano. E vou explicar à vocês por que digo "horror humano". O horror é necessariamente uma criação humana. Pois se um animal mata o outro para comer sua carcaça, ou para demarcar território, isso não há de ser taxado como "horroroso", pois é simplesmente a Natureza manifestando suas Leis perfeitas através de animais irracionais. A partir do momento em que um ser é racional, e mesmo assim ainda age de forma instintiva, negativa e violenta, indo em total desacordo com sua racionalidade, isso sim é algo horroroso ou horrível.

Malandrito´s.


Logo, não devemos enxergar comédia onde não há, por nossa mera conveniência egoística e covarde. E muito menos devemos agir jocosamente em situações onde não se aplica o humor. E o "horror humano" com certeza é uma das situações onde o humor inexiste. Que não fiquemos estáticos quanto à isso, claro. Que ajamos intelectualmente contra isso, de acordo com a lei moral. Milênios e milênios já nos provaram que o aço da espada e projétil deflagrado através da ação da pólvora pode conquistar corpos e territórios, mas não  consquista e muito menos modifica espíritos.

Comediante versão tiozão. Afinal:
Quem vigiava o Comediante?


Se queremos mudar, de vez, o horror ainda infelizmente presente nas relações humanas, devemos, primeiramente e basicamente, PARAR de agirmos com horror também. Pois uma ação horrorosa necessariamente terá uma reação horrorosa, e assim, num ciclo sem fim.

Cova aberta de Eddie Blake.
Enterro na chuva.


Cabe à nós dar o primeiro passo. Infelizmente, o passos que o Comediante deu durante toda sua trajetória aqui no planeta, foi em direção à cova na qual ele foi enterrado. Aprendamos com o "anti-exemplo" de Edward Blake, e que caminhemos para a nossa cova com muito menos remorsos, sangue, pólvora e catarro do que ele.

Pois vidas violentas, cedo ou tarde, terminam de maneiras violentas. E se não for nessa vida, vai ser na outra.

Sequência da morte de Edward Blake
em seu apartamento.


Rufem os tambores. Fechem as cortinas. Aplausos. Boa noite.


2 comentários:

  1. Para mim, o Alan Moore colocou a morte do Comediante logo no início da trama para fazer a gente pensar - "isso não é só entretenimento, prestem atenção à seriedade da mensagem!"

    E quanto ao "rir pra não chorar", infelizmente vivemos num mundo onde as pessoas preferem isso. Preferem engolir catarro, remorso, sangue e sapo a tentar modificar essa maneira irracional pela qual vivemos, ou sobrevivemos, na verdade.

    A vida não é um show, muito menos um "stand-up comedy", muito embora isso esteja em voga. Se todos esses humoristinhas que só reclamam no CQC, pânico e afins tivessem culhões para serem humanos, e não comediantes, e mostrar à sociedade uma maneira de mudar, isto seria muito mais útil do que as bundas e os top-fives que somente servem para entreter.

    Aplausos. Eu esperava um texto um pouco mais sarcástico da sua parte, mas ... Acho que finalmente você abraçou a fofurice do coruja né? =)

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  2. você não entendeu nada sobre o Comediante hahaha

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