Só sei que nada sei, mas ainda insisto em digitar...

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Só sei que respeitei. - A Dona Aranha subiu pela parede...

"Na minha ficha criminal, constam centenas de homicídios praticados contra esse tipo de vida em particular - esses seres que vivem ou aparecem nos banheiros. Inclua aí aranhas, abelhas, zangões, besouros, baratas, mosquitos e formigas. Às vezes, assassinava-os por medo. Outras vezes, por puro prazer sádico de vê-los espatifados ou afogados com requintes de crueldade. "



Todo homem deve, ou deveria, tomar um banho antes de dormir. Seja pelo motivo que for. Razões meramente higiênicas, razões filosóficas, e porque não os dois? Tomar um banho antes de dormir deveria ser lei, para todos os seres do planeta.

Para muitos, um banho não é apenas um banho - é um momento de reflexão. E olha que você nem precisa ter espelho no banheiro. Sei que os inteligentes captaram. Sei que só os idiotas acharam engraçado. Prosseguindo.

Refletir sobre o seu dia, sobre a sua vida. Pensar um pouco. Eu por exemplo, lido com o banho assim desde criança - a SABESP que me perdoe. O banho quando criança era tempo de encher a banheira e brincar com o navio da Guarda-Costeira do Playmobil. 

Exatamente esse.

Claro que o navio naufragava, e o tubarão branco simplesmente devorava um por um dos sobreviventes. O último a morrer era sempre o capitão do navio. Em algumas pouquíssimas vezes, ele matou o tubarão com as próprias mãos. Acreditem.

Exatamente esse. [2]

A banheira também era o viveiro do Velociraptor (que era um dos meus bonecos favoritos). Os exploradores do Jurassic Park sempre acabavam presos no viveiro dele, que tinha até um lago (banheira). Por algum motivo, os exploradores simplesmente colavam no viveiro, desarmados, dando uma espécie de rolê (?). Claro que o Velociraptor devorava um por um do exploradores. O último a morrer era sempre o de chapéu. Parecia mais durão. E diferente do tubarão, o Velociraptor nunca morreu. Ele era foda.

Exatamente esse. [3]

Pelo pouco que narrei, vocês já perceberam que a hora do banho era sempre muito feliz para o mini-Tayan, e muito triste para o meu pai, no momento em que chegavam as contas de águas e luz. Não basta ser pai - tem que pagar a conta cara por causa do filho autista na banheira. Aliás, obrigado, pai.

Na adolescência, a hora do banho não deixou de ser um momento de reflexão. Mas digamos que as reflexões se alternavam entre reflexões pornográficas ou fingir ser o baterista do Iron Maiden. Não necessariamente nessa ordem, e claro que não necessariamente no mesmo banho. Ou seja, de uma forma ou de outra, eu vivia tocando. Pra caralho.

Eu no banho durante a adolescência.

Já adulto (sim, por mais estranho que seja, já sou um homem feito) minhas reflexões são de fato, reflexões. Ontem à noite, por exemplo, antes de dormir, fui tomar meu banho. E logo entrando na banheira e ligando o chuveiro reparei - havia uma aranha bem ao meu lado. Aquelas aranhas de banheiro, que mal se vê o corpo, muito menos a cabeça. E que suas patas parecem, sei lá, fios de nylon? E por menos aterrorizante que ela fosse, ela sinceramente me incomodou.

Nunca fui adepto de dividir minha banheira, muito menos com seres com mais de duas patas. Ainda mais insetos, eu não suporto insetos. Como qualquer pessoas normal, eu acho, eles sinceramente me incomodam quando estão perto de mim. Na minha ficha criminal, constam centenas de homicídios praticados contra esse tipo de vida em particular - esses seres que vivem ou aparecem nos banheiros. Inclua aí aranhas, abelhas, zangões, besouros, baratas, mosquitos e formigas. Às vezes, assassinava-os por medo. Outras vezes, por puro prazer sádico de vê-los espatifados ou afogados com requintes de crueldade. 

Mas já há um tempo isso não ocorre. Sou uma outra pessoa. Acho sinceramente que tenho me tornado uma pessoa melhor, pois logo que entrei no banho e avistei a aranha, fiquei imóvel, em atitude de respeito (e sim, um pouco de aflição). Ela pareceu notar minha presença, e rapidamente agitou-se numa teia que minha miopia não me permitiu observar com mais detalhes. Apenas presumi que fosse uma teia, pois aranhas não flutuam no ar. Até onde eu sei, pelo menos.

Em outros tempos, eu teria pêgo aquele chuveirinho e ligado em cima dela, e ela desceria ralo abaixo. No mínimo, assopraria forte só pra ver o que aconteceria. Mas não. Apenas observei. E refleti.

Era um tanto quanto lamentável a cena da aranha se balançando apavorada em sua teia. Um ser minúsculo e completamente desengonçado, que dedica sua vida a tecer teias e comer mosquitos no banheiro da casa dos outros. Uma existência ridícula. Mas conforme eu observava como aquele ser corajoso que debatia-se e deslocava-se em rota de fuga, comecei a não mais achá-lo ridículo. Comecei a sentir pena dele.

A água morna corria, e eu apenas continuava observando aquele ser, que agora não mais estava ao meu lado. Já encontrava-se na outra parede, locomovendo-se agora de forma rápida e precisa, empregando fuga entre o vapor do chuveiro e de gotas maliciosas que o chuveiro insistia em derramar próximo à ela. E ela prosseguia.

Tomei o meu banho, de olhos fixos na aranha. Alguns minutos passaram, e ao final do meu banho, eu ainda observa-a. Agora não mais achava a aranha ridícula. Nem pena dela eu sentia mais. Eu sinceramente admirava-a.

No auge da minha admiração, a aranha encontrava-se no teto do meu banheiro. Parecia observar-me. Parecia não entender-me direito também. Mas parecia também respeitar-me lá do alto. Do teto.

O teto do meu banheiro.

Um lugar que eu, Tayan, homo sapiens, no "auge" da minha evolução perante todos os animais da Terra, JAMAIS conseguirei chegar pelos meus próprios pés, ou pelas minhas próprias mãos. Ou pela teia que meu corpo insiste em não produzir. Maldito Peter Parker.

Tu memo.

E sinceramente, vi na aranha lá do teto uma metáfora de nós próprios, seres-humanos. 

Pois como a aranha, somos desengonçados. Ainda tão feios perante a perfeição de tantas coisas que nos cercam. Ainda vivemos no banheiro de alguém muito maior que nós, que nós nem sequer conhecemos direito. Vivemos a nossa vida, tecendo nossas teias. Alguns, com humildade, conseguem comer seus mosquitos no dia a dia. Outros, mais orgulhosos ou mais ignorantes, acabam por enroscarem-se em suas próprias teias. São aranhas jovens, ainda estão aprendendo. Mas isso pouco importa. Nosso objetivo é o teto do banheiro. Pois quando o ser supremo liga o chuveiro, cabe a nós saber onde e como prosseguir. Mantendo calma, prudência e confiança. E isso tudo eclodirá, mediante sua coragem e seu conhecimento de mundo. Não basta apenas ter amor à sua existência, tem que saber viver! E quando você chegar ao teto do banheiro, o ser supremo te olhará feliz e orgulhoso - afinal, ele te observava o tempo todo, desejando sinceramente o seu melhor. Não te ajudou pois não podia, aquela prova era sua. E você, aparentemente desengonçado, agiu de forma perfeita em meio àquele caos transitório. Provou ao ser supremo que, apesar de seu aspecto tão frágil e desengonçado, você pode ser bem incrível às vezes. E só pode ser incrível, aquele que É incrível. 

Esteja onde você estiver, Dona Aranha, te desejo tudo de bom nessa existência. No meu banheiro, e nos próximos. Você é foda.

3 comentários:

  1. Muito bem escrito, hein?! Tem que criar a fan page do teu blog no facebook. Eu curto.

    ps: Vivian, acredite, o próprio Tayan riu ao escrever a piada da reflexão. Eu aposto!

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  2. Quando eu era pequena e sádica, costumava jogar baldes de água sobre os formigueiros no sítio do meu avô, fingindo que era uma onda gigante devastando uma mini-cidade. Daí rolou toda aquela tragédia da tsunami, e eu me lembrei disso. E pensei em Deus ou sei lá eu quem, brincando de inundação com as "formigas" humanas.

    Ótimo texto. Apenas uma ressalva - por mais delicioso que seja filosofar com as águas escorrendo pelo nosso corpo, não vamos esquecer que a natureza agradece, bem como os nossos descendentes, se este banho não for assim tão demorado. Aliás, o bolso do teu pai também agradece hehehe.

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