Só sei que nada sei, mas ainda insisto em digitar...

domingo, 5 de dezembro de 2010

Só sei que tenho deveres. - Ozymandias x A Ética do Dever em Immanuel Kant.

"Muitos fãs se questionam até hoje se o objetivo de Veidt era válido. Sim, o objetivo era válido. NADA válido foi seu "modus operandi" simplesmente monstruoso. Literalmente."

Continuando a série de posts sobre "Watchmen", temos como o eleito de hoje o personagem "Ozymandias".

Ozymandias e Bubastis, seu lince
geneticamente modificado.


"Ozymandias" na verdade é o alter-ego de Adrian Veidt.  O codinome escolhido para seu alter-ego, "Ozymandias", tem origem em um soneto de Percy Bysshe Shelley, que descreve a estátua do Rei Ozymandias esquecida no deserto. Soneto esse, que foi inspirado em uma das estátuas danificadas de Ramsés II. Eis o próprio, na íntegra:

Estátua de Ramsés II, que inspirou o
soneto de Percy.


"Eu encontrei um viajante de uma antiga terra, que disse:
—Duas imensas e destroncadas pernas de pedra
Erguem-se no deserto. Perto delas na areia
Meio enterrada, jaz uma viseira despedaçada, cuja fronte
E lábio enrugado e sorriso de frio comando
Dizem que seu escultor bem suas paixões leu
Que ainda sobrevivem, estampadas nessas coisas inertes,
A mão que os escarneceu e o coração que os alimentou.
E no pedestal aparecem estas palavras:
"Meu nome é Ozymandias, rei dos reis:
Contemplem as minhas obras, ó poderosos, e desesperai-vos!"
Nada mais resta: em redor a decadência
Daquele destroço colossal, sem limite e vazio
As areias solitárias e planas espalham-se para longe."


Adrian de bobeira na janela, cansado de
brincar de bonequinho.


Adrian é um bilionário excêntrico movido por um obscuro senso de dever, dono das "Indústrias Veidt". É um ególatra e visionário brilhante, dotado de uma inteligência extraordinária, sendo inclusive considerado pela mídia o "homem mais inteligente do mundo". Sua inteligência e auto-controle o tornaram um lutador e atleta exímio, sendo um excelente acrobata, além de conseguir proezas como desviar das balas de um revólver, pois calcula a trajetória das mesmas na hora do disparo.

Rorschach de tiração com Adrian.


Adrian antecipou a onda anti-heróis no fim da década de 70, quando revelou sua identidade secreta para a mídia, tornando-se uma celebridade adorada por todos. É considerado um pacifista, executando sempre obras de caridade, além de ser muito carismático.

Durante a trama, notamos que Adrian tem o já mencionado obscuro senso de dever. Uma vontade imensa de mudar o mundo (para não dizer conquistar, afinal o cara é fã de Alexandre da Macedônia, e parece ter dentro de si o senso expansionista de todo o Império Romano).

Adrian no enterro de Edward Blake,
o "Comediante."


Como Adrian "resolve" mudar o mundo? Bom, ele desenvolve um "plano mestre", nas palavras dele:

"Você realmente acha que eu explicaria meu plano mestre se houvesse a menor possibilidade de você afetar o desfecho? Eu o realizei há 35 minutos atrás." Quer saber qual era esse plano?

Quadrinho da frase acima.


Nos quadrinhos, Veidt recruta secretamente os melhores filósofos, poetas, paranormais, artistas, biólogos e cientistas para criarem um monstro colossal, através da engenharia genética. Mais especificamente, o monstro é um cefalópode gigantesco, e ficou conhecido entre os fãs como "a lula".

A "Lula", já morta no centro de Nova Iorque.


Após ser criado, o monstro então é secretamente teletransportado ao coração de Nova Iorque. O "stress" do teleporte gera uma poderosa onda de choque psíquico na criatura e em tudo à sua volta, e metade da cidade é simplesmente dizimada. A criatura também acaba não sobrevivendo ao teletransporte. O mundo então conclui que a origem dessa criatura só pode ser alienígena, no máximo extradimensional. Logo, os povos antagonistas da Terra (no caso específico, Estados Unidos e Rússia) unem-se contra um novo inimigo em comum (uma pseudo-ameaça alienígena), tendo em vista o "massacre" recente causado pelo monstro alienígena em Nova Iorque. Assim, sacrificando milhões de pessoas, Veidt acaba salvando bilhões alcançando a paz mundial.


Estrago que a Lula fez após ser teletransportada.


No filme, o diretor fez um final um pouco diferente, muito embora mantendo a mesma idéia. Nas telonas, uma bomba de energia explode no centro de Nova Iorque, matando bilhões. O mundo conclui que a bomba teria sido supostamente deflagrada por um vingativo Dr. Manhattan, que até então refugiava-se em Marte após o seu desentendimento com repórteres em um programa televisivo. Na verdade, o Dr. Manhattan, durante todo o filme, estava sendo manipulado por Ozymandias, acreditando que estava desenvolvendo uma nova fonte de energia limpa e renovável, trabalhando juntamente com as "Indústrias Veidt." Tendo em vista o "massacre" recente causado pela bomba de energia do Dr. Manhattan em Nova Iorque, os povos antagonistas da Terra acabam também por ser unir contra esse novo inimigo em comum (o Dr. Manhattan). Assim, sacrificando milhões de pessoas, Veidt acaba salvando bilhões alcançando a paz mundial.

Bomba "deflagrada" pelo
Dr. Manhattan.


Colocados os pingos nos "is", a questão que gira em torno do final de "Watchmen" é: Um monstro cefalópode gigantesco alienígena ou extradimensional, que morrera ao chegar em nosso planeta, resultaria de fato na união dos países e na paz mundial?

Efeitos do "plano mestre" de Ozymandias.



Coruja e Rorschach, que foram os primeiros ao descobrir o seu plano, escutam de Veidt o seguinte: "Hitler disse que as pessoas aceitam mentiras se elas forem grandes o bastante. "E é muito interessante o fato de Ozymandias citar Adolf Hitler, pois ele agiu como o próprio Hitler: foi apenas mais um genocida covarde, nojento e podre.

Rorschach e Coruja tomando
um pau de louco de Ozymandias.


Muitos fãs se questionam até hoje se o objetivo de Veidt era válido. Sim, o objetivo dele foi válido. NADA válido foi seu "modus operandi" simplesmente monstruoso. Literalmente.

Como eu já disse à vocês acima, Adrian é uma pessoa movida por um obscuro senso de dever. E para entendermos melhor o "senso de dever", vou resgatar certos conceitos com o grande filósofo prussiano da Era Moderna, chamado Immanuel Kant.

Immanuel Kant. Vai cantar o quê?


Kant nos ensina que a BOA VONTADE é a condição de toda e qualquer MORALIDADE. A boa vontade é racional, e é boa porque é racional. Tudo depende da intenção com que qualquer ação foi realizada.

A vontade, ou a boa vontade, é boa quando age por dever. O conceito de DEVER contém dentro de si a própria BOA VONTADE. E o dever será uma necessidade de agir por respeito à uma LEI MORAL, que a própria RAZÃO reconhece como MORAL. Ou seja, o dever NUNCA É EGOÍSTA, é muito mais que isso.  É mais ou menos a consciência de que cada indivíduo deve cumprir seu DEVER na sociedade. Ou seja, o VALOR MORAL reside na INTENÇÃO da ação.

Ozymandias de boa na lagoa. Feng Shui.


O SENTIMENTO DE DEVER, portanto, é o respeito pela LEI MORAL, que deve ser a força motriz das nossas ações. Ou seja, agir por DEVER exige o conhecimento à respeito da tal LEI MORAL. E o que é, afinal, a LEI MORAL? Ora, a LEI MORAL nada mais é que algo que possa ser UNIVERSALIZADO. Se algo puder ser válido para TODOS, automaticamente tal "algo" converte-se em LEI MORAL. Ou seja, uma máxima só pode fazer parte da LEI MORAL se tiver um sentimento de UNIVERSALIDADE.

Para Kant, diferente de Maquiavel, os fins não justificam os meios. A ação necessária deve ser BOA POR SI MESMA, INDEPENDENTE DOS FINS QUE SE POSSAM ALCANÇAR COM TAL AÇÃO.

Nicolau Maquiavel. Cara de fuinha.


Afinal, cada indíviduo é RACIONAL por si só. É livre para agir como quiser, de acordo ou não com a LEI MORAL, que reside na própria RAZÃO. Ou seja, no REINO MORAL existe LIBERDADE de escolhas.

O ser humano NÃO É LIVRE quando faz aquilo que O APETECE, ele apenas é livre QUANDO SE SUBMETE À LEI MORAL, OU SEJA, A LEI DE SUA PRÓPRIA RAZÃO. SÓ SOMOS LIVRES ENTÃO QUANDO CUMPRIMOS O NOSSO DEVER, QUANDO NOS SUBMETEMOS À LEI MORAL QUE RESIDE DENTRO DE NÓS MESMOS.

Para Kant, a pessoa humana possui um VALOR ÚNICO, possui DIGNIDADE. Logo, não deve ser tratada como COISA, pois isso TIRARIA SUA DIGNIDADE COMO PESSOA. Ou seja, devemos agir sempre com HUMANIDADE, tanto na nossa pessoa como na de qualquer outro.

"Everything´s all right." é o caralho!


Pois então, amigos leitores. Não precisa ser um filósofo iniciado para entender a DESUMANIDADE com a qual Ozymandias tratou CADA UMA DAS PESSOAS QUE ELE PRÓPRIO ASSASSINOU. Temos que compreender que o motivo, SEJA ELE A PAZ MUNDIAL, pouco importa quando falamos em HOMICÍDIO.

Nenhum ser humano deve cometer o homicídio, senão em sua LEGÍTIMA DEFESA. Tanto a lei dos homens, quanto a lei de Deus nos ensina isso. É tudo muito simples: se não falamos em LEGÍTIMA DEFESA, não há mais o que ser discutido. Ainda mais quando falamos em assassinato em massa. Afinal, o senso do VERDADEIRO DEVER NUNCA É OBSCURO. Se é obscuro, pode ser tudo, menos um verdadeiro senso de dever. O VERDADEIRO SENSO DE DEVER É CRISTALINO DENTRO DA RAZÃO DE CADA UM DE NÓS.

Brincando de ser Deus.


Assassinato em massa só me soa plausível se for executado por Deus. E se é executado por Deus, não é assassinato. Logo, o assassinato nunca é plausível à uma boa razão. Não me venha tentar falar em SENSO DE DEVER para justificar assassinato. Em massa, ainda. Seja pelo motivo que for. Seja inclusive esse motivo a paz mundial. Afinal, paz a que preço? Uma vida humana não vale mais que outra. Cada ser humano é um universo por si só.

Rorschach se indigna em aceitar essa tal paz, e o preço que ele paga, no fim da trama, é ser assassinado. Ou seja, mais um assassinato em nome da "paz". Essa frase até ofende uma pessoa de bem: "Um assassinato em nome da paz."

Rorschach sendo assassinado pelo
Dr. Manhattan.


Conclusão: Na minha opinião, o plano de Ozymandias é desumano, asqueroso, criminoso e deplorável. Kant concorda comigo.

Coincidência (ou não), Veidt termina tal qual o Ozymandias do soneto: o mundo foi de fato, obrigado a contemplar suas obras. E o mundo se desesperou. Mas depois, com Ozymandias sozinho e ferido em sua base na neve, nada mais restou em redor à toda sua decadência moral. Com suas mãos sujas de sangue e vísceras, ele se tornou nada mais que um destroço vazio, em meio à areias nevadas e planas espalhando-se ao longe. Qualquer semelhança com o soneto é mera coincidência.

Adrian. Nem melhor, nem pior que Hitler.
Apenas diferente.


Boa noite, e que todos vocês sejam livres cumprindo seus deveres e conseguindo assim, ter um pouco de paz.

6 comentários:

  1. Se eu te disser que não entendi nada do teu post vc vai me achar burra? HUAHAHUAHUAHAUHAH...

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  2. Concordo com Ozymandias. Aliás o que ele fez está sendo feito (os sábios entenderão).

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  3. Que sacanagem de Ozzy...
    Mas pelo que o final do filme da a idéia da publicação do diario do Rorscharch

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