Só sei que nada sei, mas ainda insisto em digitar...

domingo, 3 de abril de 2011

Lembranças malditas.

"...as lembranças que machucam assaltam nossa mente com um objetivo muito nobre - o objetivo de alertar-nos."



Às vezes penso o seguinte: Poderia existir um botão na nossa cabeça, ou uma droga nova, que simplesmente apagasse certas lembranças específicas da nossa cabeça. Uma espécie de lobotomia personalizada. Aí paro e penso, e digo pra mim mesmo (mais especificamente, pro meu lado menino mimado): "Pare de ser viadinho..."

E por favor, não me chamem de homofóbico (deixem isso para o Jair Bolsonaro).

O negócio é o seguinte: Eu, e muito provavelmente você, estamos em guerra interna. E como toda a guerra, ela machuca, deixa marcas. E no fundo você não tem paz. Afinal, não existe paz em tempos de guerra. E meus tempos, meus amigos. são de uma puta guerra mesmo.

Quero deixar bem claro que quando digo que não tenho paz, não quero dizer que vivo um inferno. Nada disso. Não ter paz no sentido de você ter que matar um leão por dia. De cumprir com suas obrigações morais e profissionais. Estudar sempre, para que alguém mais qualificado não tome o seu lugar. Rezar e planejar para o que o pão nosso de cada dia não nos falte amanhã, e depois. E se você como eu, espera um dia casar e ter filhos (ou caso você já esteja nessa lista), rezar e planejar para que o pão nosso de cada não falte à sua família. É esse tipo de "paz" que me refiro. De não conseguir respirar, ou até sonhar, sem estar sofrendo qualquer tipo de pressão por parte do seu ambiente, e muitas vezes até da sua própria consciência.

E se estamos em guerra interna, e não temos paz, ainda existe algo para te atazanar mais ainda: malditas lembranças. E me refiro em especial àquelas lembranças que machucam mesmo. Que surgem como um filme, num átimo, na sua mente. Muitas vezes motivadas por um lugar especial, uma música, uma situação, etc.

E independente de querermos ou não lembrar de tais fatos, eles simplesmente comem solto na nossa mente, na maioria das vezes contra nossa vontade. Situações doces passam como um filme em nossa mente, mas situações doces de um passado que não volta mais. Então o doce torna-se amargo, adaptado à triste realidade atual. Você se recorda de todas as sensações: a felicidade genuína, o riso que até machuca as bochechas, as gargalhadas que te fazem pagar mico numa pizzaria, o aconchego legítimo em um cinema ou o simples fato de estar na estrada e passar na frente do Graal em São Paulo perto do aeroporto enquanto ouve "Fields of God" do The Police. Você sente toda essa felicidade, que agora perdeu-se em meio à inúmeros erros, e essa felicidade automaticamente converte-se em tristeza, no momento em que sua mente se dá conta que tudo isso faz parte de um passado distante, não tão distante no tempo, mas pior: distante na alma.

Os espíritos mais jovens e desavisados podem ir facilmente da tristeza ao desespero, e do desespero à depressão. Por isso, quando nos damos conta de momentos de tristeza que estejamos passando, normalmente decorrentes de lembranças que revivemos, devemos nos perguntar: "Será mesmo que essa lembrança é uma lembrança maldita, que apenas me faz sofrer?"

Lembra-se quando eu disse no começo do texto, sobre o botão de apagar memórias específicas? A lobotomia personalizada? É claro que isso tudo tem um cunho metafórico. Vamos fazer algumas perguntas à nós mesmos: 

Será que todo sofrimento é maldito?

Sinceramente, não. O sofrimento é apenas maldito enquanto sofrimento. Pois na minha humilde opinião, todo sofrimento pressupõe uma importante lição. Quando o sofrimento deixa de ser sofrimento, torna-se aprendizado, pois nossa pior hora é sempre a melhor hora para começarmos a melhorar.

Será que seria legítimo apagarmos essas lembranças que nos fazem sofrer da nossa memória?

Evidente que não. Afinal, somos hoje o resultado daquilo que fomos ontem. Adquirimos experiência ao longo da vida, das situações. Nos acertos, e principalmente nos erros. É difícil alguém que sai acertando de primeira na vida, Ou em segundo, e terceiro. Na condição de aprendizes eternos, devemos primeiro aceitar a condição de aprendizes. Em segundo, devemos aceitar os nossos erros e nossos fracassos. Perdoarmos aos outros, e principalmente à nós mesmos. Seria de um egoísmo absurdo apagarmos a dor da nossa mente, mas vivendo plenamente o resultado dessa experiência. Pois tal resultado só existe, pois a experiência existiu antes. Como apagá-la? Que absurdo é esse? Seria como viver no mundo de hoje, sem saber ou aceitar que já existiram inúmeras guerras, e atrocidades sem nome. Ignorar toda a dor presente na História do mundo. Esquecer o passado que de certa forma construiu o presente que nos encontramos. Típico do orgulho humano.

Logo...

Resumindo: as lembranças que machucam assaltam nossa mente com um objetivo muito nobre - o objetivo de alertar-nos. Quando sua mente lhe trouxer à tona, num átimo, uma situação que tenha lhe trazido felicidade, é apenas para lembrar à pessoa triste e descrente que você possa ter se tornado que a felicidade existe SIM nesse mundo, e que inclusive VOCÊ já sentiu-a de verdade no seu coração, na sua alma, mesmo que por alguns míseros instantes. Míseros instantes, mas que faziam seu mundo se mover em câmera lenta nos filmes, e instantes tão sublimes, que a felicidade foi eternizada quadro à quadro no seu corpo e alma, estampada em fotos mentais de ângulos tão perfeitos que fariam inveja ao mais exímio fotógrafo do Universo.

É claro que como essas lembranças pertencem à um passado distante, isso vai lhe causar dor. Mas não se alarme, ou desespere. Sinta-a. Agradeça-a. A dor é boa. Deixe essa dor, gerada pelas suas próprias lembranças, purificar-lhe. Quede-se ajoelhado ao julgamento exímio e implacável da sua própria consciência. Pergunte à si mesmo: "Como essa felicidade toda se perdeu?" Se você não teve culpa nisso, não há motivo para sofrimento, pois na vida seremos machucados sem motivos por muitas vezes. Cada um faz o que bem entende, e se alguém errou com você, apenas perdoe - isso não é problema seu, e isso é opção dessa ou daquela pessoa. 

Mas se você teve, de fato, culpa nesse processo da perda da felicidade, declare-se então réu culpado. Condene-se no tribunal da sua consciência. A prisão não é perpétua, claro, mas nesse processo em especial, você foi condenado. E as lembranças, e todo o sofrimento gerado por essas lembranças, são a sua pena, a sua cruz. Toda vez que a lembrança vier à tona, você vai lembrar o quê você já teve em mãos, e o quê você deixou escapar das mesmas mãos em razão da sua própria incompetência. É legítimo até se você chorar. E deves aceitar isso com a mesma responsabilidade que teve quando errou em uma situação qualquer. Nesse caso, se sofres e choras, é pela tua própria incompetência no passado (ou quem sabe você seja um incompetente até hoje? Acorde!).

Sim, você FOI incompetente numa situação X. Então a sua mente irá lembrar-lhe disso, mas para o seu próprio bem, afinal, sua mente faz parte de você mesmo. A dor que ela lhe causa ao lhe expor com verdade e justiça suas lembranças, e todas as sensações decorrentes das lembranças, é o mesmo tipo de dor que um pai causa num filho, ao repreender-lhe mais severamente, deixá-lo de castigo, quem sabe até algumas palmadas, para ver se o filho inexperiente cai em si. No fundo, é por amor. É orientação. Da mesma forma que os pais são os guardiães e orientadores das almas que vêm ao mundo, nossa consciência é a centelha divina que existe dentro de cada um de nós, sem exceção, nossa guardiã e orientadora particular.

E da mesma forma que chorávamos quando crianças ao receber esporro dos pais, choramos hoje em dia, mais velhos (mas não menos inexperientes para a vida), quando recebemos esporro de nossa consciência, através de nossas lembranças que nos fazem sofrer. Que relembremos então, tudo. Sempre. E que soframos. Pois como eu disse, a nossa sentença não é perpétua. Estamos em constante reabilitação. Ou seja, um dia, vamos sim, viver novamente, e em potencial ainda maior, aqueles momentos de felicidade que já vivemos um dia. E aí, graças à ajuda de nossa mente que nos fez sofrer tanto um dia, não mais iremos errar. Vamos saber valorizar a felicidade de modo digno, para que as lembranças sejam para sempre, lembranças. E que o sofrimento decorrente das lembranças, seja ele também, uma lembrança. E que aí sim, a felicidade que era lembrança, torne-se realidade constante no infinito dos nossos dias. 

Quando enxergarmos dessa forma as lembranças e o sofrimento decorrente delas, aí sim, as lembranças não serão mais malditas. Serão benditas lembranças.

Boa semana à todos!

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