Só sei que nada sei, mas ainda insisto em digitar...

sábado, 30 de abril de 2011

Sobriedade que incomoda.

" Os vícios soterram as virtudes em um nível moral, e a química decorrente dos vícios, no nosso corpo, soterra nossas sensações legítimas."



Há algo a se constatar no mundo atual: "encher a cara" é cultural. Plenamente aceitável entre as pessoas, principalmente da nossa geração, aos fins de semana. Plenamente aceitável inclusive entre os próprios pais. Ficar chapado, muitas vezes em níveis astronômicos, é tão normal quanto respirar. Aliás: ficar sóbrio, isso sim, tornou-se anormal. Em especial aos fins de semana.

A sobriedade é algo que me incomoda demais. Incomoda demais, já que você é humano, e somos seres vazios por excelência. A sobriedade, em tempos turbulentos, pede o vício. Seja qual for o seu vício. A sobriedade me incomoda, e muito provavelmente te incomoda também. E pode ser até que você reflita sobre isso enquanto você enche a cara mais tarde.

E é incrível como a sobriedade NOS incomoda, e como ela às vezes acaba incomodando o seu meio social, sua roda de "amigos", por exemplo. Às vezes, basta você sugerir MÍSEROS MOMENTOS de sobriedade (como ir à praia, comer uma pizza, fazer esporte), para esses "amigos" se afastarem de você, te tachando como um verdadeiro FRACO (?).

O que chega a ser intrigante, pois é engraçado as pessoas verem como fraca e otária uma pessoa que não se rende à imposições viciosas. Que seja.

Vou contar o motivo pelo qual a sobriedade incomoda: A sobriedade é o único meio de você enxergar, sentir e viver "a vida como ela é". E digamos que nesse planeta, "a vida como ela é" nem sempre é tão agradável. Aliás, poucos são os momentos em que podemos dizer que a vida nos é agradável.

A sobriedade não necessariamente nos conduz, mas nos mínimo nos chama à responsabilidade. Nos chama para a vida real, fora desse falso império das sensações imposto por nós mesmos ao nosso corpo, mente e espírito, através de mil e uma variáveis da química que consumimos noitadas à fora.

E é claro que é muito mais cômodo fugir às responsabilidades. Fugir não só de realizá-las, mas fugir também de sequer pensar acerca dela. Não ficar sóbrio para não pensar. Não ficar sóbrio para não enxergar. Não ficar sóbrio para não sentir. Não ficar sóbrio para não viver.

Durante muito tempo eu achei sinceramente que qualquer tipo de substância entorpecente em contato com nosso corpo GERAVA sensações. Quando na verdade, hoje em dia muito mais me parece que os entorpecentes de qualquer gênero SOTERRAM sensações. 

Não camufla. Não dissimula. Soterra mesmo. Pois o sentimento legítimo, a sensação legítima está lá, gerada de forma autônoma pelo nosso espírito, que por sua vez gera os impulsos cerebrais, que por sua vez desencadeiam a tempestade hormonal no nosso corpo físico.

A partir do momento que você está entorpecido, essa sensação legítima não é contaminada, mas sim SOBREPOSTA, SOTERRADA pela nova química que adentra seu corpo e flui pelo seu sangue através de suas veias e artérias, chegando finalmente ao cérebro. A droga de qualquer natureza funciona então como INIBIDOR de sensações, e não como GERADOR de sensações artificiais. Artificial sim é a catarse mental transitória causada pela química. Você na verdade SENTE o fato DE NÃO ESTAR SENTINDO NADA. Você SENTE o NÃO SENTIR. E o grande erro das pessoas é justamente achar o contrário.

O sentimento e a sensação são incorruptíveis e legítimos, e química alguma nesse mundo ou no outro podem de alguma forma contaminar isso. Mas de fato, soterram tudo isso. Os vícios soterram as virtudes em um nível moral, e a química decorrente dos vícios, no nosso corpo, soterra nossas sensações legítimas. 



O que conforta é sermos dotados de lógica, e assim podemos constatar o seguinte:

As virtudes decorrem do espírito. Os vícios decorrem da personalidade, que é uma espécie de "máscara" usada pelo espírito, ainda imaturo. Se o espírito é eterno, as virtudes são também eternas. Se a personalidade pode sempre ser moldada e aquilatada por nós mesmos, concluímos que ela é transitória. Logo, a nossa personalidade é transitória. Se a personalidade é causa, o vício é efeito. E se a causa é transitória, o efeito também será logicamente transitório.

Assim vemos que estarmos alheio à responsabilidade é estarmos estacionados. E tudo que está estacionado, pode se mover. De uma estação para a outra. É questão de querer viver a vida. De viver uma verdade, ou viver uma mentira. Divertir-se de verdade, ou achar que se diverte mediante ingestão química de qualquer natureza.

Ninguém aqui está pregando a abstinência plena, longe de mim. Mas espera aí. Chega de fazer vista grossa. Observe-se melhor. Observe seus amigos e colegas melhor. Observe as pessoas que dividem os mesmos ambientes que você. As atitudes, os pensamentos, a energia, a vibração.

Algo está errado. E só cabe à nós mesmos consertarmos tudo isso. Tirarmos debaixo dos nossos próprios escombros viciosos as sensações legítimas que se encontram momentaneamente soterradas por nós mesmos, motivados quase sempre por irresponsabilidade, imaturidade, ignorância, covardia, preguiça e (ou) futilidade.

Um comentário:

  1. faz tempo que não fico bêbada ou whatever. minha bolha é bem melhor do que qualquer bar. e por bolha eu me refiro ao meu estado de sobriedade, que parece ter afastado a maioria dos meus "amigos". bem melhor assim. mesmo.

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