Só sei que nada sei, mas ainda insisto em digitar...

domingo, 2 de outubro de 2011

Crossroads II.

"A irresponsabilidade é sempre opcional, decorrência do livre-arbítrio de cada um, que é sempre decorrente imaturidade  ou ignorância espiritual. Ou dos dois."


Bora, negão!



Já escrevi sobre encruzilhadas. Escrevi algo sobre tomar o caminho mais penoso, pois à título de virtudes, é sempre o mais recompensador. Normalmente os caminhos muito fáceis e prazerosos não conduzem à lugar algum, pois circulam apenas em relação aos nossos próprios prazeres. Ou seja: cansa-se o corpo na satisfação dos prazeres do próprio, pois o corpo e os impulsos da personalidade são credores exigentes e implacáveis. Tendo em vista tal cansaço do corpo, cansamos também a nossa alma.

Termos a nossa alma aprisionada transitoriamente em nosso corpo físico. Logo, o corpo que é nosso instrumento de trabalho neste planeta, é também uma prisão. Se a prisão está suja, o prisioneiro irá adoecer, talvez até enlouquecer ou entrar em um processo depressivo.

Usando essa analogia, podemos entender perfeitamente o que acontece com a nossa alma. A prisão suja é o nosso corpo. Sujo metaforicamente, e literalmente. E o prisioneiro que aos poucos adoece, enlouquece e se deprime na tal prisão fétida é a nossa alma.

Por isso tanta gente triste à nossa volta. E sabemos que os sorrisos de plástico que vemos naquelas fotos que parecem ter sido ensaiadas são apenas sorrisos de plástico. Um sorriso de plástico é o reflexo de uma alma angustiada, sufocada dentro sua pseudo-felicidade. Alma angustiada, porém ainda muito orgulhosa e irresponsável, pois insiste em sorrir forçosamente, talvez para tentar enganar ao mundo e à si mesma.

A questão é: Quando nos deparamos com as encruzilhadas da vida, não mais sorrimos. Na hora o nosso semblante se fecha. Pois até um irresponsável tem o mínimo senso de responsabilidade. O fato dele não agir com responsabilidade não quer dizer que ele não saiba o que é certo e o que é errado. A irresponsabilidade é sempre opcional, decorrência do livre-arbítrio de cada um, que é sempre decorrente imaturidade  ou ignorância espiritual. Ou dos dois.

Então escolhemos um caminho da encruzilhada. E aí começa um "show de humanidade" da nossa parte. É um processo interessantíssimo de ser analisado. E um pouco ridículo também.

O sujeito escolhe o caminho fácil. Dos prazeres. Vive como um verdadeiro Calígula dos tempos modernos. Come, bebe, fuma, cheira, briga, trepa, goza. "Livin´ la vida loca". Nada pode mais legal que a vida que ele leva. Nada pode ser mais legal que ele. Ele sabe disso. Elas sabem disso. Todo mundo sabe disso. Mas em dado momento, tal maceração do corpo exige uma prestação de contas. Ele engorda, ou emagrece. A saúde pede "pelo amor de Deus". Aquelas noitadas que tanto o satisfaziam aos poucos começam a se tornar deprimentes para ele próprio. Começa a enxergar a vida de outra maneira, em decorrência das experiências. Afinal, algo tão negativo pode se tornar positivo. É questão de mudança de foco. De ação. E ele age! E volta por todo o caminho, de volta à encruzilhada.

E lá está nosso amigo novamente, de frente à encruzilhada. Cansado, afinal ele se fodeu bastante naquele caminho que tinha escolhido antes. Aquele caminho que parecia tão bom em outros tempo, agora lhe parecem trevas e desgraça, causando-lhe os mais estranhos arrepios. Mas por mais que ele tenha se machucado tanto, e eventualmente machucado tantos outros, ao menos ele encara essa experiência com maturidade, na certeza de nunca mais precisar repetí-la. Aquilo tudo é passado. O foco agora é no presente e no futuro. Ele então volta seus olhos para o outro caminho. O caminho certo. Do correto. Que não parece tão prazeroso à primeira vista, é bem verdade. Mas se só existem dois caminhos, e o outro lhe fez tão mal, sua lógica lhe diz que aquele é o único caminho. Se o outro caminho de fato o conduziria à uma morte trágica e à uma entrada desgraçada no mundo dos mortos, o outro lhe conduzirá à uma morte digna, que lhe conduzirá de forma também digna para a vida eterna.

Então ele toma o caminho certo. Cria sua rotina honrada de trabalho. Diverte-se sim, aos fins de semana, mas de maneira moderada, pois também pratica esportes e entra em contato com a natureza, seja na praia ou no campo. Diverte-se na sua noite, mas de forma que isso não o impeça de divertir-se também durante o dia. Se reaproxima de um ideal religioso, seja ele qual for. Não importa se vai à igreja, à sinagoga, à mesquita, ao centro espírita ou de umbanda - o que importa é que ele se aproximou de Deus, ou de qualquer outra coisa que ele acredite que conduza todo o Universo. Sua consciência está limpa, assim como seu próprio corpo.

Algum tempo vivendo a rotina honrada, e o que acontece? O corpo pede. A mente pede. Todas essas mulheres gostosas se insinuando o tempo todo. Todos essas substâncias prontas para serem consumidas. Mas ele é um novo homem. Honrado, e tudo mais. Ceder uma vez só à antiga rotina não lhe fará mal algum. Afinal, ele é "apenas humano". "A carne é fraca". E outras merdas nesse sentido.

E lá está nosso amigo, num belo fim de semana. Talvez alcoolizado, talvez drogado, talvez fazendo sexo como um macaco - talvez os três. Mas não se assustem, foi apenas uma recaída. Um momento de fraqueza. De humanidade. Momento esse, que aos poucos vai tornando constante novamente na rotina dele e - pasmém - lá está ele denovo no caminho errado.

E ele sinceramente nem sabe como voltou daquele caminho para o outro. Afinal, ele se achava assim tão consciente. Julgou ter sido sugado de um caminho ao outro. Mas se ele tivesse o mínimo de humildade em assumir suas fraquezas, teria notado que voltou todo o caminho, entorpecido pelos antigos vícios da personalidade. E ainda entorpecido, passou pela encruzilhada e como um zumbi reingressou no caminho dos prazeres hedonistas irrefreáveis.

Tudo bem. Em um momento de consciência, ele se desespera, quando se vê novamente naquela situação antiga, que ele tinha jurado para Deus e o mundo que nunca mais se encontraria. E aquilo o faz se envergonhar em dobro. Seu suor mais lhe parece lodo, e seu corpo tão pesado lhe traz uma sensação de estar vestindo uma carcaça de animal podre. Mesmo pesadamente, quase que se arrastando, entre lágrimas de pesar e desespero, ele volta à encruzilhada. Em sua deprimente jornada de volta, ouvimos as outras almas que naquele triste caminho se encontram. Humilham, zombam. Atiram palavras que lhe causam até dor física, como se fossem objetos sólidos. A consciência está tão pesada, o corpo está tão cansado, que ele acha que não vai conseguir. Quase desfalecendo, ele pensa por um minuto em deitar por ali mesmo para tentar se recompor. Adiar a volta. Mas não. Fazendo esforço para apenas respirar, ele arrasta as duas toras de carne que outrora foram pernas, e suando frio ele alcança seu objetivo - a encruzilhada.

Aliviado, respira fundo. Se recompõe. Fisicamente. Psicologicamente. Espiritualmente. Limpa o corpo. Limpa a alma. Resolve seguir o caminho certo novamente. Mais experiente. Mais humilde. Mais ciente de suas próprias fraquezas. E sim, um pouco acovardado. Ciente que o tombo é maior e mais violento a cada vez que ele cai. E que tombo tem limite.

Ele vai seguir denovo então. Essa odisséia já vimos antes. Esse filme já vimos. Todas as afeições que ele fez no caminho errado têm a certeza que ele voltará para lá, muito embora saibam que ele é nobre o suficiente para não estar ali. As afeições que ele tem no caminho certo também não confiam nele - sinceramente acham que ele vai desistir novamente, e voltar para o caminho errado o quanto antes, muito embora tenham fé que vai chegar o dia em que ele será o homem que todos sabem que ele pode ser.

Se os bons e os maus reconhecem seu potencial latente, a conclusão é de que o dia em que ele fará o certo de vez depende apenas dele. A escolha é dele. Mas escolha apenas não basta. A ação e o esforço são dele também.

E vai chegar o dia em que ele vai seguir o caminho certo para sempre, ao ponto de o perdermos de vista em uma luz tão forte, que até ofusca nossos olhos ainda tão humanos.

No fundo, temos essa luz dentro de nós. E às vezes ela brilha tão forte e tão intensamente, que assusta nossa própria humanidade. E aí entramos em processo de soterrar essa luz que faz queimar e arder os nossos defeitos, pois é um processo de purificação. Preferimos sempre a sombra do comodismo. Chega disso. Chega de ser tão humano.

Deixa a luz brilhar. E sem medo dessa vez. A recompensa nada mais é que a sua própria felicidade.

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